ARE YOU HERE

Amigos para o que der e vier (Are You Here), 2014

Crítica por André Pinto, colaborador convidado.


Are You Here (ou, na tradução portuguesa, Amigos para o que der e vier) centra-se na amizade entre Ben Baker (Zach Galifianakis) e Steve Dallas (Owen Wilson). Ben vive numa cabana isolada da civilização, embrenhado no projecto de escrita de um livro (com pretensões de ser) socialmente arrebatador e no consumo de erva não-medicinal – ao contrário do que sucedia em Due DateA Tempo e Horas. Steve, um meteorologista mulherengo, acompanha Baker nos seus caminhos errantes e isentos de responsabilidade.

Cedo percebemos a enorme proximidade e cumplicidade entre ambos (Ben afirma “sinto-me só no Universo. Tirando o Steve”), fortemente pintada pelos seus comportamentos adolescentes e que emerge ainda mais quando o pai de Baker morre e os dois partem para a terra deste para comparecerem à cerimónia fúnebre.

A linha de desenvolvimento “suave” da narrativa é quebrada aquando da inesperada partilha de bens constante no testamento do falecido: praticamente tudo para o seu irresponsável filho e a mercearia da família para a responsável irmã, que logo se apressa a tentar “corrigir” este desequilíbrio, fundamentando-se legalmente na duvidosa capacidade de juízo crítico e tomada de decisões sensatas do irmão.

Mas centremo-nos de novo em Ben e Steve. A sua reacção tanto à morte do pai como ao depósito em si de tamanha responsabilidade – simbolizada no valor herdado em bens materiais – conjugam-se para, gradualmente, operar uma transformação na personalidade de Steve. Se no início o luto é marcado por uma depressão do seu humor, temperado por uma intrigante ilusão auditiva auto-depreciativa, e pela continuação dos seus consumos pouco saudáveis, assistimos a uma inequívoca assunção das suas responsabilidades – não só perante a sua nova situação financeira mas, mais do que isso, perante a sua nova fase de vida. Baker é empurrado para um cargo para o qual pensávamos não estar preparado (ele próprio, a dada altura do filme, admite isso perante a irmã). Vamos observando, não sem umas pontas de admiração, a um conjunto de decisões que denotam exactamente um rasgar com o seu passado irresponsável e o germinar de um Ben que toma as rédeas da sua vida, como um adulto. Neste sentido, é emblemática a frase que profere neste turnover da sua vida: “Está um belo dia, e odeio-me por ser o tipo que só tem isso para dizer”. No conjunto de resoluções que Ben toma, a mais drástica é o corte de relações com Steve, numa cena abrupta em que Ben o afasta da sua vida alegando que Steve é uma má influência, não o deixando evoluir. No entanto, vemos que a decisão de Ben é reversível e que talvez tenha tido o intuito de, temporariamente, se reorganizar de um modo mais solitário.

O filme demonstra – e bem – essencialmente duas peças valiosas da nossa existência: a importância máxima e a nossa capacidade de assumir a responsabilidade pelas nossas vidas, iniciando novos ciclos; e o inestimável valor da presença (Are You Here) e a resistência de uma grande amizade às intempéries (Amigos para o que der e vier). Tal como Steve diz: “A amizade é muito mais rara do que o amor porque ninguém tem nada a ganhar”. Controverso?