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Fúria (Fury, 2014)

Ninguém ficaria surpreendido ao ouvir que há mais filmes sobre a 2ª Guerra Mundial do que os anos que o confronto durou. Gostamos de recordar quer as vitórias, a capacidade humana para triunfar nas horas mais negras, quer o sangue e as lágrimas, as vidas perdidas e a dor… Além disso a 2ª Guerra Mundial só durou seis anos.

Mas com a barreira dos 50 filmes ultrapassada há bastante tempo, será que ainda há alguma mensagem que não tenha sido passada? Haverá ainda alguma perspetiva por explorar? Não atingimos já o ponto de saturação?

David Ayer (Dia de Treino) parece acreditar que não, ou não teria escrito e realizado Fury. Se houver quem diga o contrário pode sempre responder-lhes que este não é só mais um filme sobre a guerra, é sobre um tanque. Quantos filmes há sobre tanques? Ah, pois é! De certeza que não são mais de 50.

No entanto, com ou sem tanque, Fury não traz novidades. Aliás, cobre todos os pontos na lista de clichés que compõem os filmes de guerra modernos:

  • há um jovem inexperiente que é atirado para o meio de uma unidade de veteranos cínicos e violentos;
  • o líder parece ser um feroz, frio e imponente urso pardo mas na realidade é um ursinho de peluche que faria tudo pelos seus soldados;
  • o novato é constantemente confrontado com situações que questionam a sua moralidade;
  • têm encontros que exaltam a vida e o sentimento humano com personagens que logo a seguir morrem só para demonstrar o quão absurda e violenta é a guerra;
  • assim que a unidade aceita o novato, são confrontados com uma escolha difícil entre o dever e uma morte certa, ou aceitar a noção de dever como uma fachada bélico-heróica (inventar palavras é fixe) e fugir.

Ninguém diz que os clichés são maus, afinal são clichés porque resultam e não significam necessariamente falta de qualidade.

Fury tem qualidade de sobra: Brad Pitt é irrepreensível como o carismático mas perturbado Wardaddy; Logan Lerman, por quem, à semelhança da sua personagem, se daria muito pouco, é surpreendentemente bom; Jon Bernthal encarna, se calhar bem demais, os resultados físicos e psicológicos de um dia-a-dia de violência, sangue e perda; e até Shia LaBeouf, apesar do bigodinho e da personalidade altiva, consegue agradar.

Do outro lado da câmara, David Ayer esforça-se por equilibrar o som das metralhadoras e antitanques com conteúdo mais profundo. O realizador de Fim de Turno e Sabotage, usou a experiência com equipas e parceiros policiais para que Fury não fosse simplesmente Aliados contra Nazis, ou o bem contra o mal, e sim a unidade, uma ‘família’ que se protege em tempos difíceis. Entre planeamentos estratégicos e ataques inesperados, destroços e mortos, há espaço para cada personagem desenvolver uma personalidade com as suas questões e problemas individuais.

Ayer consegue juntar ação e entretenimento com temas como o valor da vida humana, o papel dicótomo do soldado, ser a ‘arma nas mãos do líder’ sem perder a humanidade, e a sempre relevante questão sobre o bem maior e a legitimidade dos meios para o atingir. O resultado é Fury, um filme de guerra completo em todos os aspetos.

De facto, ninguém diz que o cliché é mau ou que se deveria abandonar definitivamente o tema da 2ª Guerra Mundial. A questão é que o abuso transformou estes filmes em exercícios de revisão de matéria. Fury é a resposta de Ayer ao exame de História. É uma resposta excelente que aborda todos os pontos necessários, mas não deixa de ser uma entre centenas de composições sobre uma matéria que já sabemos de trás para a frente.

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