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Entrevista a Nerea Barros (La Isla Mínima) – Cinefiesta 2014

Encontrei-me com Nerea Barros, Galega de 33 anos, numa das salas de conferência no Nh Hotel na Avenida da Liberdade. O objetivo era uma entrevista rápida mas esta tornou-se numa amigável conversa de mais de uma hora. Ela veio ao Cinefiesta no Cinema S. Jorge, para promover o filme La Isla Minima, um thriller policial realizado por Alberto Rodriguez. Nele interpreta a personagem Rócio, uma mulher subjugada pelo seu marido cujo desaparecimento das filhas despoleta a ação do filme.

Demonstrou-me uma paixão imensurável pela performance e começou por me contar como se iniciou neste meio.

Nerea Barros – Eu sou Galega, estive a trabalhar muitos anos, o meu primeiro filme foi aos 15 anos e já sabia que queria ser atriz.

Pedro Tavares – Ser atriz é então um sonho desde pequena?

NB – Sim. É a primeira lembrança que tenho, mas aí não sabia o que era ser atriz. Era algo que saía naturalmente. Tive uma primeira oportunidade, participei no meu primeiro filme aos 15 anos. O segundo filme galego que se fez na história que se chama “Nena” [filme de 1997 realizado por Xavier Bermúdez] que é uma versão da Lolita de Nabokov.

PT – Isso é um grande desafio para os seus 15 anos e como primeiro filme. É uma adaptação em que é difícil não entrar por terrenos… complicados.

NB – Sim muito difícil. A única coisa que me dei conta ao participar no filme foi que tinha muito que trabalhar, que era isso que queria fazer e que tinha muito que trabalhar. Que não valia a tua naturalidade, isso é algo básico e tens que criar personagens.

PT – Li pela sua biografia que estudou Enfermagem. Como lidava ao mesmo tempo com as duas coisas?

NB – Sim, sou enfermeira e especializei-me em cuidados intensivos. Estive muitos anos a combinar as séries, os filmes, o teatro com o hospital. Para mim a enfermagem importou-me muitíssimo. Eu sou uma enfermeira diferente. Não sou capaz de não me implicar. Eu preciso de me implicar. Eu entendo que os médicos e enfermeiras não se possam implicar mas acho que aí há demasiada distância.

PT – Essa implicação deve tê-la ajudado muito como atriz.

NB – A enfermagem nutriu-me. Para mim é essencial entender o ser humano. Não podes compor um personagem se não percebes como é o ser humano. Se estás dentro do teu ego e da fama e das “mariconadas” tu deixas de ser ator, convertes-te noutra coisa e deixas de criar e ser um artista. Um artista tem que estar em contacto contínuo com a terra, com a vida com a natureza consciente do que está em redor e tem que ser empático, tem que ter empatia. Com isso podes criar uma personagem que não tem nada a ver contigo.

PT – Teve também já experiência no circuito lusófono. Já pensou em tentar entrar no cinema português?

NB – Claro. Sempre tentar sobretudo sair das nossas fronteiras. Quero trabalhar com muita gente diferente. Adoraria trabalhar aqui e ver como trabalham aqui. É certo que há um ano estive aqui por 3 semanas a trabalhar num filme que se chama “Beatriz”, um filme brasileiro, que ainda não estreou. De Alberto Graça. Era uma coprodução com Portugal e precisavam de atores espanhóis que entendessem português e mandei um vídeo casting e estive a trabalhar com ele. Trabalhar aqui seria um privilégio, porque adoro estar neste país.

PT – Falando agora sobre o filme, qual foi a inspiração para a personagem de Rocío em La Isla Minima?

NB – Estava com muito medo de não estar à altura da equipa que tinha e dos meus companheiros e do realizador. A primeira coisa que me veio à cabeça na altura de criar Rocío foi a minha mãe. Os seus olhos e como olha para os seus filhos. Somente olhar para a minha mãe, que é uma mulher dura e lutadora e o meu pai também. Surgiram das suas cinzas e a trabalhar e a trabalhar unicamente para dar uma vida diferente aos seus filhos. Admiro muitíssimo os meus pais. Isso foi o primeiro que agarrei. Depois, toda a minha vida na Galiza sempre vivi no campo e então desde que era pequenina olhava para as mulheres do rural Galego, que aqui em Portugal acho que se passa igual, essas mulheres que se vestem de negro e que com todas as dificuldades que tinham, 7 filhos, um marido morto, continuavam a lutar. Essas são as verdadeiras heroínas. Deixar a sua vida para que os seus filhos tivessem outra. É daí que sai Rocio.”

PT – Sente que este filme foi influenciado por outras obras americanas, como True Detective?

NB – Não influenciaram. Quando se se rodou o True Detective, estávamos a rodar La Isla Minima ainda que saindo muito depois. Realmente, é certo que a ideia de dois polícias diferentes a trabalharem conjunto tem parecenças. Mas passados 5 minutos esqueces True Detective pois Alberto introduz-te numa comunidade e num sítio diferente. É certo que há semelhanças, mesmo com outros filmes policiais do género. Quando o vires vais ver que é um reflexo da sociedade espanhola naquele momento, nessa comunidade tão limitada. E reflete também a corrupção que existe agora, que nunca deixou de existir, tal como em Portugal.

PT – Tem trabalhado muito em televisão. De que forma é diferente dos filmes?

NB –Em Espanha é muito difícil avançar para a produção de filmes e por isso comecei com a televisão na Galiza, em séries. Para mim as séries dão-me muitas coisas, primeiro há um lado em que o cinema é maravilhoso mas demora muito mais a chegar ao público e chega muito menos. A nível artístico para mim é maravilhoso, no “El tiempo entre costuras” [série de 2013 que lhe deu maior exposição] filmávamos com calma, devagarinho e agora com “El Príncipe” [série de 2014 ainda em exibição], como tem muita acão tem que ser muito mais puxado. É um desafio para mim, eu tenho uma maneira de trabalhar, uma forma muito complicada, preciso de concentração e então obriga-me a estar no limite. Está tudo a chegar de todos os lados e tens que te concentrar. Cada dia de rodagem é um desafio brutal e adoro, porque é como ativar o meu método de trabalho e levá-lo ao limite.

PT – Li na internet que toca instrumentos?

NB -Bateria e Saxofone.

PT – São dois instrumentos muito diferentes…

NB -O Saxofone para mim vem de dentro e a bateria é muito físico, mas ambos dependem do teu estado emocional. A bateria para mim tem algo, como a dança, estudei 10 anos de dança, para mim um instrumento tão físico, adoro mover-me quando estou a tocar, adoro as jam sessions com colegas, coloca-me num estado brutal que me poe os “pelos de punta”.

PT – Já pensou enveredar por esses caminhos? Seguir uma carreira na música?

NB – Não, não. Gosto muito e este ano tenho um objetivo. Aprender a cantar com a minha voz. Eu de pequenina era Soprano, e aos 20, 19 qualquer coisa assim mudei de voz. Não percebi porquê de repente parecia um homem. Sou pequenina, fininha, finíssima mas com uma voz, que é isto ”madre mia”, era soprano, falava aqui em cima e agora estou aqui em baixo. E agora quero aprender a cantar com a minha voz. Não é que vá lançar um disco mas fazer trabalhos em que introduza a minha voz.

PT – Só para concluir faço-lhe numa pergunta um pouco mais genérica. Porque acha que os portugueses devem ir ver este filme?

NB – Há muitas razões. Por um lado há uma parte em que somos países que historicamente estamos unidos ainda que por desgraça não se vejo a ligação que gostava de ver entre os dois países. Há uma desconexão entre nós. Eu penso que este filme que tem este discurso tão social e politico espanhol também para os portugueses perceberem mais sobre a sociedade espanhola. Que somos exatamente iguais que temos os mesmos problemas e as mesmas histórias de merda. Para que eles vejam e criem empatia connosco de outra maneira. Por outro lado é um thriller policial brutal, há uns personagens imensos a quem ninguém fica indiferente este filme. Tem imenso suspense, vais dar saltos na cadeira, e vais-te rir pois há um personagem cómico em que há igual esse tipo de personagens em Portugal, ele é um tipo que vive nessa comunidade de porcaria e sobrevivia fazendo as suas trampas tentando não meter-se.

O filme tem muitas leituras. Uma leitura estética, uma leitura social, politica muito importante. E este realizador e o seu co-guionista, Rafael Cobos, são super rigorosos e fazem filmes que representam autenticamente momentos e épocas.

 

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