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Que Mal Fiz Eu a Deus? (Qu’est-ce qu’on a fait au Bon Dieu?, 2014)

Em 2010, a Eurostat estimou que cerca de 7.2 milhões de pessoas da população francesa são imigrantes com descendência estrangeira – 11,1%. Em 2008, o instituto nacional de estatística francês, que tem uma visão mais restrita que a Eurostat no que toca à definição de imigrante, estima que existam (apenas) 5,3 milhões de imigrantes de pais não franceses e 6,5 milhões de descendentes de imigrantes, representando assim 19% da população. Cerca de 5.5 milhões já oriundos das distantes terras fora da União Europeia – 4 milhões do Maghreb, 1 milhão de africanos subsarianos e mais de 500 mil de origem turca.

Após esta “pequena” introdução podemos apresentar o filme “Qu’est-ce qu’on a fait au Bon Dieu?”. Estamos nos subúrbios de Paris. O ano é 2013 e é cada vez mais difícil passar um dia sem ouvir alguém expressar a sua convicção de que o maior problema do país é o do crescimento das minorias étnicas e que a simples presença destes imigrantes compromete a própria identidade francesa!

Claude e Marie Verneuil, da grande burguesia provinciana, são pais católicos da “velha” França. Para eles, bem-educados e bem-intencionados, nada seria melhor que ver as suas quatro preciosas filhas casar com homens  de “carne” 100% francesa.

É aqui que começa a nossa história: nada poderia correr pior para o casal. O sonho cai por terra quando as suas filhas se casam com um chinês, um judeu, um árabe e finalmente com um…costa-marfinense!

As repetidas notícias matrimoniais, sendo muito difíceis de engolir, põem a mãe num estado depressivo e o pai num estado de raiva assassina.

“Il faut vous adapter à la mondialisation, madame Verneuil: moi, mon évêque est malgache”

Em poucos dias, o filme ultrapassou  as (simbólicas) dez milhões de visualizações, tornando-se um êxito tanto em França como fora do país.

Como é que esta comédia de Philippe de Chauveron tem evoluído no sentido de um fenómeno social? Essencialmente é um filme que aproveitou um assunto “em sintonia com os tempos” e com a identidade francesa – os seus fracassos, frustrações e abusos – e tratou-os com uma certa demagogia.  Era apenas natural que atraísse multidões aos cinemas.

Bem escrito, bem feito, bem interpretado: foram cumpridas as três condições técnicas essenciais para o sucesso de uma comédia. Isso, adicionado a uma estratégia de marketing particularmente inteligente!

O filme está repleto de cenas engraçadas de riso fácil, mas como qualquer comédia que se preze, incorre numa centena de clichês. A segunda parte do filme é baseado neles e o humor sobre uma sociedade demasiado conservadora também se torna insuportavelmente repetitivo.

No entanto, não deixa de ser um filme que faz rir, pensar e debater. Como todas as boas comédias, o filme traz uma mensagem – todas as pessoas são um pouco racistas, tanto na França como no resto mundo (incluindo aqueles que se consideram as principais vítimas); a partir do momento em que nos encontramos inserimos numa certa cultura ou sociedade temos a tendência natural de rejeitar o que lhe é extrínseco.

Aqui e ali, levantaram-se vozes desafiantes a uma visão racista da França, identificadas com alguma esquerda crítica. Porém, foi apresentado um ponto de vista neutro amplamente compartilhada no Cannes Film Market. Uma comédia humana de Chauveron vendida como pão quente em muitos países estrangeiros – prova de seu caráter universal, da sua pouca profundidade e da sua corrente de clichês que tornam o filme numa daquelas comédias genéricas.

“Vous avez beaucoup d’immigrés en Côte d’Ivoire? – Oui, des Libanais, des Arabes, des Chinois… – Au moins, vous n’avez pas de Noirs.”