Destaques do Mês
  • The Conjuring 2 – A Evocação
  • Sugestão para Domingo à Tarde #36: Out of Africa (Sydney Pollack, 1985)
  • A Rainha do Deserto (Queen of the Desert, 2015)
Data
24 August 2016
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Entrevista ao realizador Adrian Sitaru

Adrian Sitaru, 43 anos, pergunta com um sorriso e olhos já semi-cerrados: “Conversamos aqui? Que tal sentarmo-nos?”. Estamos na Culturgest, que dos dias 19 a 23 de Novembro acolheu a primeira Festa do Cinema Romeno. Já passa da meia-noite e Sitaru acaba de sair de uma exibição para sala cheia da sua última curta e longa-metragem, Arta e Domestic, respetivamente.

O realizador, produtor e ator romeno faz parte de uma nova geração de cineastas que continuam a redefinir o cinema feito no seu país de origem. É um cinema geralmente minimalista, inventivo, à base de pessoas e dramas do dia-a-dia, muitas vezes com duas colheres de humor negro à mistura. Tem uma qualidade de cinema de autor, onde o texto é rei e os silêncios são mais apreciados que evitados. O trabalho de Sitaru, e de muitos dos seus colegas, tem já atravessado vários países e chamado a atenção de críticos e festivais. Foi com Valuri, em 2007, que Sitaru ganhou o reconhecimento inicial e vários prémios (podem ver a curta-metragem aqui). Agora, o realizador apresenta-nos duas obras intensas – Arta e Domestic – onde o tema da culpa e de relações familiares aparece em primeiro plano. Entrevista por Alexandre Vaz.


Alexandre Vaz – O cinema romeno tem vindo a ganhar destaque nos últimos anos, tanto em festivais como na crítica internacional, e é geralmente estereotipado como muito ligado ao realismo. No entanto, estes seus últimos trabalhos – Arta e Domestic – saem um pouco desse molde: há cenas oníricas, e o final de ambos os filmes tem um tom quase surreal. Houve algum desejo consciente de fugir ao estilo “mais esperado”, ou estava apenas a fazer o que queria como realizador?

Adrian Sitaru – É verdade. De certa forma, é algo que penso ter feito em todos os meus filmes  o aspecto mais “mágico”  mas provavelmente é muito mais óbvio nestes últimos trabalhos. Mas não sei, nunca planeio fazer nada de diferente daquilo a que se poderia chamar o estilo de cinema romeno.

AV – E acha que isso existe? Um estilo que caracterize o cinema romeno?

AS – Sim, embora seja muito difícil responder a essa pergunta, porque é muito difícil ver “de dentro” o que se está a passar! (Risos) Muitos jornalistas perguntam-me se me considero parte de uma geração ou de um movimento, e para mim é difícil pensar nisso… Mas é verdade, começou com pessoas como o Cristi Puiu, e depois por volta de 2005 e 2007 foram muitos outros, como o [Corneliu] Porumboiu – que ganhou em Cannes  e  [Cristian] Nemescu… Foram muitos realizadores e filmes em muito pouco tempo. E isso deu a sensação de existir um movimento, ou um estilo.

AV  Criou-se uma ligação entre esses diferentes realizadores.

AS – Exacto, e de facto há um estilo – pouca ou nenhuma música, por exemplo, e um certo estilo de minimalismo, um mesmo modo de abordar o realismo… Mas não tenho a certeza, porque nada disto foi aprendido numa escola.

AV – No seu caso, talvez o primeiro grande passo da sua carreira foi a curta-metragem Valuri, certo?

AS – Sim, foi importante para mim porque ganhou muitos prémios, incluindo um importante em Locarmo.

AV – É interessante como já nessa curta-metragem, e agora também nestas últimas obras, aparece bastante o tema da culpa e a relação das personagens para com ela.

AS – É verdade, e penso que é algo ao qual volto recorrentemente por ter dilemas quanto ao meu próprio comportamento. Procuro respostas ao escrever, ao fazer filmes e através das pessoas que os vêem (risos). Mas a culpa é um tema importante para mim, desde miúdo. E em Domestic é precisamente esse o tema: eu adoro animais, não consigo magoar seja o que for que tenha vida, e no entanto como-os sem qualquer problema.

AV – E em Domestic, os animais têm uma importância invulgar. Todas as famílias que acompanhamos têm um animal específico, e um dilema que envolve esse animal.

AS  Sim, mais uma vez é algo muito inspirado na minha juventude. A história do coelho, no filme, aconteceu-me c0m dois pombos. Encontrei dois pombos, alimentei-os e cuidei deles. Quando os meus pais descobriram, disseram-me que iam usá-los para fazer uma soupa. E portanto dei-os aos meus pais para serem mortos e para os comer – e embora tenha percebido a situação racionalmente, ainda sinto culpa passados uns 30 anos! Foi algo que entendi desde logo como errado (risos). Perguntava-me como era possível os adultos convencerem uma criança a matar outro “bebé”.

AV – E na sua outra curta-metragem, Arta, também aparece muito a temática da culpa. Sentia que o objectivo da curta era apenas de reflexão sobre o tema – o uso de crianças em cinema, que pode ser visto como uma espécie de abuso – ou tinha alguma moral ou opinião mais formada que queria partilhar?

AS – Tenho uma opinião mais construída, sem dúvida. Mas o que é estranho para mim é que há dez anos eu teria feito esta curta-metragem numa longa-metragem, e provavelmente sem a sensação de culpa que hoje sinto para com esse tema. Aprendi muito sobre mim, através de amigos e talvez até com a idade. (Risos) E há coisas que antes eu conseguiria fazer que hoje me fazem confusão. Por isso é qualquer coisa de esquizofrénico – a mesma pessoa, o mesmo cérebro, mas na altura entendia as coisas de outro modo. E isso é um pouco assustudor, porque não sei o que poderei estar a fazer agora de “errado”, e daqui a dez anos…

AV – Estará a fazer um filme sobre isso?

AS – (Risos) Exacto! Estou a tentar ter mais cuidado e pensar mais antes de agir. [AV – O cinema tem essa qualidade terapêutica?] Sim, acaba por ser uma terapia… Porque não me sinto muito bem com estas coisas que fiz no passado, por exemplo com os animais.

AV – Queria terminar a nossa conversa voltando ao cinema romeno mais no geral. Um dos objectivos desta Festa do Cinema Romeno é dar-nos a conhecer um pouco daquilo que está a ser feito no seu país, um cinema ao qual dificilmente teríamos acesso pelos circuitos comerciais. Se lhe pedisse para nos sugerir três realizadores romenos, quem nos recomendaria?

AS – Sem dúvida teria de falar de Cristi Puiu, porque de certa forma ele é que começou esta nova onda com a sua primeira longa-metragem, Marfa si Banni. Hm… Gosto muito dos filmes de [Cristian] Mungiu, claro. Também gosto muitos dos filmes de Radu Jude, embora saiba que ele não goste muito dos meus! (Risos) Fomos colegas na escola, por isso conhecemo-nos bem, lemos os argumentos um do outro, e gosto muito do trabalho dele. E assim temos três. (Risos) Mas é difícil de escolher. Aos meus actores estou sempre a dizer que não sei qual é a melhor forma de interpretarem uma frase. Tenho muita certeza quando sinto algo “mal”, e aí consigo dizer “não!”, mas nunca sei dizer qual é a melhor forma. Mas não vou enumerar os realizadores de que não gosto! (risos)


É possível ver aqui a primeira parte de Domestic, que inclui uma cena virtuosa na sala de jantar, com 10 minutos em plano contínuo:

Para além da ocasional crítica cinematográfica, este dandy moderno aprecia longos passeios, chá preto e aquele barulho que o bacon faz aquando do momento de fritura.