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O Guia de Ideologia do Depravado (2012)

No universo paralelo onde os filósofos são reis, o império de Žižek seria um lugar muito estranho para viver. Cheio de estradas sem ligação, leis sem certezas e indivíduos com trejeitos frenéticos – o Alice no País das Maravilhas que Lacan não escreveu.

A realizadora deste Guia de Ideologia do Depravado é Sophie Fiennes, responsável também pel’O Guia de Cinema do Depravado, de 2006. Mas a estrela é claramente o filósofo/escritor/psicanalista/marxista/génio-louco esloveno, Slavoj Žižek. Os posters promocionais dizem – já diziam em 2006 – “um filme apresentado por Slavoj Žižek”. Mas é mentira. Antes dizer “um filme orquestrado por…”, ou até “sonhado por…”.

O filme serve de uma espécie de sequela para o Guia de Cinema, e quem viu esse já conhece a peça. A partir do momento em que estamos apresentados ao estilo de Žižek, já sabemos o que esperar, e mais ainda o que não esperar. A primeira deixa proferida pelo esloveno serve de resumo:

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Tal como no Guia de Cinema do Depravado, Žižek serve-se de filmes e cenas específicas destes para apresentar ideias, reflexões e tudo o que mais lhe apetecer. Os filmes variam do obscuro ao blockbuster: O Triunfo da Vontade (1935), Desencanto (1945), West Side Story (1965),  The Firemen’s Ball (1967), Zabriskie Point (1970), Laranja Mecânica (1971), Titanic (1997), Taxi Driver (1976), entre muitos outros. Pontos extra para Žižek: não há nenhum snobismo cinematográfico, tudo o que é fita pode ser usado para falar de Hegel, Lacan ou as dialéticas da coca-cola.

O facto do filósofo aparecer recorrentemente “incorporado” nos cenários dos filmes de que fala é um truque que nunca se gasta. Já o pensamento de Žižek seria insuportavelmente desorganizado se não fosse pelo seu valor cómico e pela excelente edição do filme. Passamos pela crítica social, comentário político, análises psicanalíticas, ovos Kinder, Jesus Cristo e Rammstein. Tudo isto fará imenso sentido na mente de Žižek, mas o comum mortal terá de se decidir entre ficar confuso ou entretido, ou ambos.

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Errar ou concordar com Žižek não é o relevante – quem o acompanha já viu o quanto o próprio se contradiz. Apesar do filósofo gozar hoje de uma popularidade imensa, seria fabuloso fazer um estudo estatístico que (na enviesado opinião deste que escreve) revelaria o quanto um filósofo adorado não significa um filósofo entendido. Nos círculos académicos Žižek é do mais polémico que existe, e algumas discussões famosas que teve – por exemplo a com Noam Chomsky – dificilmente nos permite entender se Žižek é demasiado genial até para as suas capacidades explicativas, ou simplesmente genial em jogos de palavras.

Dito isto, vale muito a pena ver o filme pela experiência. Como um sonho cocainado que parece que a qualquer momento nos vai revelar o sentido da vida, só para no final não sermos capazes de explicar a seja quem for o que é que vimos. Não vamos aprender, mas talvez sejamos obrigados a pensar. É um daqueles casos onde quanto menos tentamos perceber, mais hipóteses temos de receber alguma coisa. Não há enredo linear nem lógica contínua, o que torna estes 136 minutos de filme uma experiência desafiadora para quem não comprar bilhete de ida-e-volta. Neste sentido, os tímidos ou cépticos fariam bem por começar pelo Guia de 2006, já que nesse os filmes apresentados escolhem a filosofia (enquanto que aqui sentimos o contrário).

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Ouvir (ou ler) Žižek à procura de certezas é como querer chão firme em areias movediças. O máximo que nos é dado são frases. Žižek – mais na oratória que na escrita – é incrivelmente quotable. Mesmo que não saibamos onde começámos, por onde fomos e onde vamos parar, há frases e ideias que variam do (aparentemente) genial ao (decididamente) hilariante. Isso é parte do charme do filósofo e, consequemente, do filme: não o podemos levar a sério e, no entanto, tudo o que é falado é demasiado sério para nos ser indiferente.


Um (óptimo) documentário sobre a obra e pensamento de Žižek pode ser visto, na integra, aqui.

Para além da ocasional crítica cinematográfica, este dandy moderno aprecia longos passeios, chá preto e aquele barulho que o bacon faz aquando do momento de fritura.

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