Filmes Pró Verão: Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos (Little Miss Sunshine, 2006)
Verão normalmente liga bem com calor e com praia. No entanto, um homem não vive só de sol, e há sempre espaço para comer uma “bucha” (há anos que tentava colocar esta expressão em texto) e ver um filme. “Filmes aconselhados para o verão” não implicam descer um patamar qualitativo, como acontece na silly season, simplesmente se evitam alguns dramalhões de fazer chorar as pedras da calçada, e se opta por um feel good movie.
É precisamente aqui que nos cruzamos com a obra com uma das piores traduções de título dos últimos anos; Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos. Dos realizadores Jonathan Dayton e Valerie Faris surge em 2006 um feel good movie, disfarçado de drama. Temos um suicida (Steve Carell), um pai iludido e tolo (Greg Kinnear), uma mãe à beira de um ataque de nervos (Toni Collete), um avó à beira de uma overdose (Alan Arkin), um adolescente que não fala há 9 meses (Paul Dano), uma criança adorável ainda sã (Abigail Breslin), e uma carrinha pão de forma que só arranca em terceira. Juntos percorrem a costa dos EUA a caminho da California, onde irá decorrer o concurso de beleza para crianças com menos de 10 anos: Little Miss Sunshine.
Não sendo um drama, fugiu à comédia de fácil digestão, optando por pôr em destaque a dinâmica desta família disfuncional. Por falar em pôr em destaque; para além dos dois óscares que a obra ganhou, uma das protagonistas (que aqui foi nomeada para um óscar) também ganhou muito ao longo dos anos (quem olhar duas vezes que não se preocupe: se o foco for do seu lado direito, já é legal, se se fixar na Abigail do lado esquerdo, equacione procurar ajuda).
Em Little Miss Sunshine para além de sermos levados progressivamente para dentro do drama que cada um dos elementos do agregado vive, conseguimos de igual forma empatizar com todos eles, ainda que seja o avó Alan Arkin e a jovem Abigail quem roubam mais a nossa atenção. O que se observa aqui é igualmente uma crítica nada subtil a uma das tradições mais antigas dos EUA: os concursos de Misses para jovens criancinhas. À nossa realidade, imaginar crianças de 7 anos a desfilar, enquanto se abanam de forma muito pouco apropriada para gaudio de pais, pares, e camionistas solitários, é algo que repugna. Este encorajamento, em comunhão com a preocupação com o corpo desmensurada que é incutida a crianças em pré-pré-puberdade é quase idiótica, se não fosse verdade. Uma coisa é não encher os filhos de porcarias, outra é passar-lhes um conceito ridículo de saúde corporal.
Ainda que não seja o centro do filme, esta realidade de costumes é habilmente desconstruída e escrutinada, à medida que vemos pequenas evoluções dentro da família, enquanto os percalços se sucedem.
No final, sem grandes gargalhadas, a verdade é que passamos grande parte do filme a sorrir, e é precisamente a sorrir que terminamos o mesmo. Leve, despretensioso e bonito. Little Miss Sunshine está tão bem para o verão, quanto uma T-shirt para o calor, ou um livro da Margarida Rebello Pinto para um contentor de indiferenciados.