“O Último Episódio” – Dexter (8 Temporadas – 2006-2013)
CONTÉM SPOILERS
Há séries com tantas temporadas que parecem ser infindáveis. Recentemente surgiram exemplos de séries cujos produtores e argumentistas defenderam um número definido e limitado de episódios para contarem a história sem sobre-saturarem a audiência (Breaking Bad, Spartacus). Mas na década de 2000 foram várias as séries que se prolongavam (Dexter, Supernatural, Bones) indefinidamente.
O último episódio de Dexter conclui uma temporada que despe a personagem de todas as pretensões de controlo e compartimentalização. Foram essas mesmas as características que definiam Dexter na primeira temporada: o psicopata arrumadinho, compartimentalizado, controlado, calculista, frio, insensível, incapaz de emoções. Toda a série caminhou no sentido de eliminar cada um destes pontos. Desde a intrusão de antigos membros de família, ao conhecimento de factos passados que chocam Dexter e a audiência, aos desafios pessoais que se colocam quando a “máscara” se torna demasiado real.
Ao longo de oito temporadas a personagem conhece um irmão desconhecido, tem de fugir à polícia onde trabalha, lida com um serial killer que traz o FBI para Miami, casa, tem um filho, revela o seu segredo a algumas pessoas e encontra outras semelhantes a ele. No fim vemos uma pessoa mais humana, mais sensível – mas potencialmente inferior nas suas tarefas mais clandestinas. O impensável acontece: Dexter é humano e, como todos nós, é guiado por medos, sentimentos, expectativas, planos futuros.
Tendo tudo isto em conta, como é que o último episódio se encaixa nesta série? Depressivamente bem. Que final pode funcionar para um anti-herói psicopata cuja principal ocupação ao longo de todos estes anos foi matar pessoas? Um serial-killer com centenas de vítimas. Um homem que pôs em perigo a sua família inúmeras vezes – sendo parcialmente responsável pela morta da mulher. Será que o final “Felizes para sempre” seria adequado? Mas felizes para sempre a fazer o quê? A matar pessoas? Então a série nunca acabaria. Dexter seria finalmente capaz de controlar todos os seus impulsos? Pouco provável, mesmo até ao último episódio vemos como a compulsão por acabar uma vítima é superior a qualquer outra vontade, o desejo de finalizar a caçada é demasiado forte. Sim, é verdade que vemos um controlo diferente perto do fim, mas que se segue a uma obsessão e uma necessidade doentias.
Uma opção simples seria a de matar a personagem. De preferência de uma forma irónica ou dramática. E aqui entramos no âmbito deste último episódio [FULL SPOILERS AHEAD]. Por momentos era mesmo isso que parecia. Dexter, no seu momento mais humano de sempre, a abdicar da sua própria vida para que o filho e a mulher que ele ama pudessem viver em paz, sem a sombra de perigo que ele traz permanentemente consigo. Dexter, de forma trágica a sepultar o cadáver da irmã – a sua última vítima – no mar, no meio de uma tempestade e a juntar-se-lhe. Os irmãos Morgan juntos no fim, até ao fim. Por momentos foi este o final. E não haveria nada de errado com ele. Seria um final adequado. O culminar de uma caminhada de 8 anos. Trágico. Mas independentemente de quanto humor estivesse presente, Dexter sempre foi um drama. Mas não. Na última cena vemos Dexter num local remoto, num trabalho impessoal e longe dos homicídios de Miami. O espectador vê o seu protagonista a entrar numa casa simples, de madeira, e simplesmente a sentar-se a uma mesa, olhar perdido no vazio. Esta é a última cena do último episódio. Se calhar a mais importante de toda a série.
Numa palavra: solidão. A alternativa à morte é o isolamente total de qualquer contacto humano. Viver num meio que permita não um controlo do seu impulso, mas a ausência de impulso. Não é uma questão de tornar o lobo vegetariano, é uma questão de o deixar demasiado esfomeado para caçar. Privado do seu sustento, apenas resta uma sombra do seu eu anterior. O facto de ser uma condição auto-imposta revela um maior sacrifício do que a morte que a tempestade lhe oferecia. Dexter está neste local, sem a irmã, sem o filho, sem os amigos, sem a mulher que ama. Sem aquilo que o definiu toda a vida. E vai continuar a estar, porque foi esta a escolha que ele fez, tanto como punição a si próprio, como para proteger aqueles que ama.
É na última cena do último episódio que a transformação de anti-herói psicopata serial-killer para protagonista se verifica. Dexter nunca será um herói, mas acabou por não ser um vilão.
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Claudjinha24
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Amlr
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Ricardo Felício
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