Um Eléctrico Chamado Desejo ( A Streetcar Named Desire, 1951)
Em 1948 o Dramaturgo Tennesse Williams recebia o seu primeiro, de dois, prémio Pulitzer, pela sua peça Um Eléctrico Chamado Desejo. E, se há coisa que não mudou em Hollywood, foi o seu sentido de oportunidade (há quem lhe chame oportunismo). Talvez por isso, três anos depois era lançada a obra cinematográfica homónima que anunciava, com grande poupa e circunstância, ser baseada numa peça galardoada com o Pulitzer. Seremos assim tão diferentes agora? Para aqueles que pensam que o que é comercial é necessariamente mau e o antigo é que é bom, fica a questão: A indústria mudou assim tanto, ou só aperfeiçoou o oportunismo?
Voltando à obra, talvez os 4 óscares com os quais foi agraciada, sirvam para deixar a fasquia imediatamente alta. O que se verifica na prática é que, efetivamente, estamos perante uma obra de arte, perturbadoramente intemporal.
Se a narrativa principal nos situa em Nova-Orleães, onde Blanche Dubois (Vivan Leigh) se refugia na casa da sua irmã Stella (Kim Hunter) e do seu cunhado, Stanley (Marlon Brando), isso será apenas a parte mais à superfície. A obra (e a peça) transportam-nos também para um ensaio sobre a sociedade. À semelhança de um bom filme comercial, tem a parte mais óbvia e novelesca a monopolizar a história, mas mantém nas entrelinhas uma atividade reflexiva sobre temas como o sexismo exacerbado, a violência doméstica, e a complacência da humanidade com todos os atos dos “filhos dos outros” e para os quais todos fechamos os olhos; em resumo, uma sociedade de aparências.
Esta intemporalidade encontra em Brando (curiosamente, dos poucos atores que não ganhou o óscar por este filme) o expoente máximo. Brando, da forma como representa, poderia estar em 1951, ou em 2014. É soberba a forma como profere cada frase, com o seu charme de homem das cavernas (que lhe era pedido), característica que o perseguiu e onde atinge o expoente máximo em o Último Tango em Paris – aí já sem metade do cabelo.
No entanto, é Vivian Leigh que nos lembra a época em que estamos. Os seus maneirismos teatrais e a sua projeção de voz exagerada, tornam o seu overacting fundamental para que viesse a ganhar o óscar – afinal de contas, eram os padrões da época. Certo é que, apesar de alguns exageros, existem cenas que se poderão dizer, a roçar a perfeição. A sua luta entre a lucidez e a loucura, entre a mentira e a verdade, é algo que arrepia em algumas cenas.
Depois, numa altura em que os realizadores eram figuras secundárias em relação aos produtores, chega-nos Elia Kazan, o realizador grego de mau feitio, que chegou para mudar isso. Assinando obras como Esplendor na Relva, ou A Leste do Paraíso, mais que um mestre (que era) atrás das câmaras, era igualmente um astuto homem de negócios, capaz de adaptar as melhores obras de diversos autores (Tennessee, Steinbeck). Para além de lançar jovens estrelas, para a estratosfera: Marlon Brando; James Dean, Nathalie Wood…
Estamos portanto diante de um dos melhores filmes de todos os tempos, curiosamente com uma receita de bilheteira a condizer. Isso, no mínimo, dá que pensar…