Olhos Grandes (Big Eyes, 2014)
Não sou a primeira nem a última a dizê-lo: este é, aparentemente, o filme menos à Tim Burton que o Tim Burton fez na última década. Mas como Big Eyes nos recorda, as aparências muitas vezes iludem.
É uma daquelas histórias verídicas que nos fazem questionar como é que não tínhamos ouvido falar dela antes. O filme centra-se no casal Keane. De um lado temos Walter, um pintor de sucesso das décadas de 50 e 60 que revolucionou a arte pela forma como comercializava as suas obras. Do outro temos a sua mulher Margaret, a verdadeira pintora dos quadros, característicos por apresentarem crianças com olhos enormes.
O filme tem tudo para não parecer ser realizado por Tim Burton. Passa-se na solarenga cidade de São Francisco, baseia-se numa história real e não envolve cadáveres nem tesouras. E sim, é o seu primeiro trabalho desde 1996 que não envolve Johnny Depp ou Helena Bonhan Carter.
No início isto pode desconcertar os fãs mais fervorosos, mas à medida que o filme se desenrola vamo-nos apercebendo que as diferenças são apenas superficiais. Burton tem uma visão do mundo muito específica, diferente de todos os outros. Essa visão está presente em todos os seus projetos, podendo por vezes pecar por excesso, tornando-se uma paródia de si mesmo. Em Big Eyes faz o oposto: destila essa sua visão ao mais essencial, àquilo que verdadeiramente nos faz adorar os seus melhores filmes. A excentricidade está na própria história, não precisando de se exibir com circunstância e pompa.
Essa excentricidade não seria possível sem Cristoph Waltz num papel que parece ser escrito para ele. Durante todo o filme ele equilibra charme e loucura, havendo um ligeiro exagero quase metódico que se enquadra bem com a sua personagem. Amy Adams, por sua vez, prima pela subtileza de uma interpretação que lhe valeu um Globo de Ouro. A discrição e aparente apatia de Margaret Keane poderia levar à antipatia do público, mas a atriz captou as complexidades da personagem, impedindo que tal acontecesse.
Obviamente o filme não é perfeito: o argumento podia ser melhor e por vezes há problemas com a fluidez da história, mas essas falhas são claramente compensadas. Acima de tudo, vendo o filme compreendemos porque é que Tim Burton quis contar esta história. Ele cresceu num sítio e numa altura em que os quadros Keane estavam em todo o lado, sendo atualmente colecionador de uma grande quantidade das suas obras. É o seu afecto pelas pinturas e pela história extraordinária de Margaret Keane que transparece no filme.
Colherada Final
Veredito
Um boa surpresa pós-Óscares, e uma boa lembrança que às vezes a realidade pode ser tão surreal como a ficção.