Balanço da 5ª temporada de The Walking Dead
Se o teu ‘eu’ de há cinco anos conhecesse o teu ‘eu’ de hoje que reação achas que teria? Ficaria satisfeito com o que te tornaste? Ou rejeitar-te-ia?
A 5ª temporada de The Walking Dead terminou e, mais uma vez, damos por nós a ter pensamentos existenciais.
Rick e o seu grupo percorreram um longo caminho desde aquela cama de hospital. Definiram objetivos, esboçaram sonhos e esperanças, e viram esses castelinhos serem impiedosamente destruídos pela brutalidade de um mundo hostil. As experiências traumáticas batem aos pontos até as minimamente agradáveis e, obviamente, as personalidades, aqueles caroços/sementes que definem quem somos e como reagimos, mudaram.
Depois de tudo o que viveram, o paraíso parece cada vez mais uma miragem longínqua, um mito secular e bastante erodido. Bob, Beth, Tyreese,… – os doces e cândidos, simbologias óbvias de inocência e esperança, continuam a cair como moscas à medida que os vários santuários e refúgios se revelam infernos maquilhados. Os semblantes são pesados, o ambiente é negro, Rick e o grupo, desnutridos e desidratados, arrastam os pés e os corpos sem destino nem propósito por uma terra hostil, uma casa que já não os acolhe…
No entanto, continuam a andar. Não têm um objetivo definido, não têm uma meta concreta, não se esboça sequer qualquer hipótese de um futuro, mas eles continuam a andar.
É aqui que walking dead adquire um novo significado e uma simbologia muito mais forte. Os ‘mortos que caminham’ podem não ser os zombies, os descerebrados famintos, e sim a humanidade, os sobreviventes sem destino ou ambição, sem lei nem caminho. Por um lado, é uma glorificação da persistência, daquela luzinha que não se desliga nem que a bateria acabe, da força primitiva que nos impulsiona e impede de desistir. Por outro, representa a ausência de nós em nós, o agir como um autómato isento de consciência imediata, controlado pelo instinto, pela vontade mais básica e rudimentar de todas: acabar com a dor, seja por que método for.
Há que insistir neste assunto: Frank Darabont não criou uma mera série de ficção. The Walking Dead é muito, mas mesmo muito, mais do que isso. É um retrato, esplendidamente construído, da natureza humana e do nosso comportamento.
Todos os traumas têm repercussões. Algumas são positivas (Carl voltou a ser um adolescente, diposto a viver o seu romance estilo Twilight, Daryl, ainda que não confesse, está felicíssimo a libertar lentamente o seu ursinho interior, Eugene, como quem percorre uma estrada de tijolo amarelo, encontrou a sua coragem,…), outras são o exato oposto de positivo, com psicopatia como palavra de ordem (um padre cobarde com complexos de mártir, uma Sasha obcecada com o extermínio de walkers, um Glenn apático, uma Carol dúplice e francamente assustadora,…).
Depois há aquelas alterações que dificilmente classificamos num esquema de pretos e brancos. Numa temporada em que psicopatia se tornou a palavra de ordem, Rick Grimes é um caso complexo. O que, há cinco anos, era um pai de família e chefe de esquadra, uma figura de autoridade que exalava segurança e empatia, hoje é uma criatura ultra-protetora, desconfiada e perigosamente desapegada, ferina e irascível. O Rick de hoje é perigoso e violento, estamos mais habituados a vê-lo coberto de sangue, aspeto andrajoso e selvagem – mas podemos julgá-lo? Temos parâmetros para compreender o que o moldou e o que o motiva? Ficamos satisfeitos ou rejeitamo-lo?