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Vai Seguir-te (It Follows, 2014)

Existem filmes que nos apanham numa agradável surpresa, e o género de terror consegue ser uma plataforma ainda mais abundante de descobertas surpreendentes, dado que o estado deste género de cinema nos deixa continuamente com expetativas baixas, em cada lançamento. Geralmente, somos levados a deixar as aspirações inteletuais e o espírito crítico à porta, trocando-os por uma experiência breve, mas visceral.

Mas onde a plausibilidade da escrita é sacrificada, a arte é trabalhada nos campos da cinematografia, do som, e das encenações. Foram estes os fundamentos que definiram os pilares do cinema de terror e são estes os elementos que David Robert Mitchell usa nesta sua obra para – intencionalmente ou não – homenagear e rememorar os calafrios dos anos 70 e 80. Existe uma tendência instintiva em executar de imediato um paralelismo com o Halloween original de John Carpenter, por vários motivos, tais como o cenário de subúrbios americanos, a utilização de protagonista feminina – Jay, de seu nome, também diminutivo de Jamie – perseguida de forma sobrenaturalmente incansável, e o estilo de filmagem “persecutório”, pioneiro de inúmeros clichés do género desde 1978 com a criação de Carpenter.

Ainda assim, o leque de inspiração visual não se cinge unicamente aos suspeitos do costume, pelo que justamente o cenário tão emblemático de subúrbio americano deriva da temática fotográfica de Gregory Crewdson, e as influências são tão variadas como Hitchcock, Lynch e Wenders, segundo cinematógrafo Mike Gioulakis.

Debruçando sobre o trabalho de câmara, este não só recebe mérito por belos planos capturados, como também pelo emprego engenhoso de circular pans executados para demonstrar todo o cenário alheio à acção, todo o ambiente predatório que paira nas vicissitudes ignoradas pelos protagonistas. Esta é uma das técnicas essenciais para manter a tensão elevada e a persistência de um sentimento sinistro, perfeitamente adequada à natureza do filme. A mensagem aqui transmitida pela linguagem da lente é simples: não existe nenhum momento em que as personagens estarão verdadeiramente a salvo.

Neste intuito, a fotografia de Gioulakis é uma força importante, aliada à visão de David Robert Mitchell. Pelo trabalho de iluminação que acentua o registo emocional perturbador, com uma abordagem saudável e eficaz da sombra e da escuridão, estabelecendo um contraste opressivo com a calmaria da luz natural e a meia-luz. Pelas pistas visuais dispersas e facilmente menosprezadas a conferir significado simbólico ao enredo. E especialmente pelo uso de lentes de ângulos amplos, que junto com a honestidade da perspetiva, procuram criar tensão, ao divulgar o máximo de espaço onde a acção se desenrola e tudo o que nele de terrível habita.

Outro elemento importante é a composição musical de Disasterpeace, terrivelmente eficaz, baseada frequentemente na electrónica e sintetizadores, fortemente reminiscentes dos registos dos anos 80. Um cardápio sonoro bem Carpenteriano, diga-se, que se adequa memoravelmente na tonalidade do filme. Na memória ficará, igualmente, a prestação de Maika Monroe como Jay, cuja presença crescente enquanto protagonista feminina neste e em The Guest lhe assentam indiscutivelmente como uma tiara no título de scream queen.

Reservo a última análise ao argumento, também escrito pelo realizador, na expetativa de que o que foi dito até agora pese mais que um enredo aparentemente pateta: Esta é uma história de uma entidade sobrenatural que persegue as suas vítimas indefinidamente, até obter destas um resultado fatal. Uma maldição transmitida através das relações sexuais, virtualmente imparável senão por reencaminhamento para outra pobre alma. Podemos daqui derivar uma metáfora óbvia para o comportamento sexual jovem sem proteção e os perigos que deste se avizinham, não isolado na temática de problemas associados à juventude presente de forma mais discreta no filme. Podemos ainda estabelecer uma ponte alegórica com a tendência de juntar o carnal e o homicida nos clássicos de teen horror surgidos dos 80s. Podemos, no entanto, mais facil- e injustamente menosprezar It Follows pela primeira impressão do ridículo que nos parece a sua história. Mas estaríamos a cometer um erro, pois é uma fresca adição ao género do terror e uma bela promessa de David Robert Mitchell enquanto realizador.

Rui Paulino

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