A Viagem dos Cem Passos (The Hundred-foot Journey, 2014)
Chegou dia 14 de Agosto às salas de cinema portuguesas a adaptação cinematográfica do romance bestseller de Richard Morais – The Hundred-foot Journey. Depois de Qu’est-ce qu’on a fait au Bon Dieu, é o segundo filme deste verão, nas terras lusitanas, a abordar a temática de uma França conservadora e racista.
Hallström, que também realizou o filme Chocolat, segue, novamente, a estética de foodie-cinema, filmando os pratos com uma brilhante suntuosidade projetada para te fazer o estomâgo roncar! Nesta adaptação dá-se uma apóteose da cozinha: aludindo Proust – “Food is Memories” –, as personagens inserem-se num universo onde nada é mais importante que confecionar boa comida.
A família Kadam, liderada por Papa (Om Puri), é obrigada a fugir de Mumbai, depois de motins originados por uma disputa política. Uma vez na Europa a força motriz do Universo começa a funcionar: o destino, tomando a forma duma avaria nos travões, obriga os Kadam a procurar ajuda na pitoresca aldeia de Saint-Antonin-Noble-Val, no sul de França. Marguerite (Charlotte Le Bon), a sous-chef do restaurante galardoado com uma estrela Michellin, Le Saule Pleureur,atira uma bóia de resgate a esta família; direciona-os a um mecânico e apresenta-lhes as maravilhas gastronómicas da região.
Essas tais maravilhas, juntamente com o acolhedor terreno que encontram no caminho, são razões mais que suficientes para motivar a família a instalar-se no sul francês e retomar o restaurante que lhes tinha sido obrigado a abandonar – assim nasce Mumbai Maison!
Com Hassan, o talentoso cozinheiro e arma secreta do restaurante, que porta o equivalente culinário do ouvido perfeito, juntamente com uma tradição rica em especiarias exóticas e o amor da comida caseira, estão reunidas todas as condições para o sucesso. Porém as coisas não são tão simples; a cem passos, do outro lado da rua, encontra-se o restaurante premiado.
Madamme Mallory (Hellen Miren) – proprietária do Le Saule Pleureur – descobre a nova concorrência e não fica feliz com as diferenças culturais existentes. Papa Kadam também não fica exurbitante com a refinada cozinha da outra margem. No entanto, esta disputa não impede a paixão dos membros mais novos: a tensão entre Hassan e Marguerite é visível desde a primeira cena e quase imediatamente começa a sua relação proibida. Um verdadeiro Romeu e Julieta gastronómico.
“Porque razão, Hassan, és tu Kadam? Nega o teu pai e o nome que vem dele, ou então jura que és o meu amor. E eu não saberei trabalhar para Le Saule Pleureur. Por inimigo tenho só o teu nome, Kadam. (…) O que é Kadam? Não é mão nem pé, nem braço, nem rosto. (…) Despe o teu nome. Não serei mais Kadam daqui em diante, batiza-me de novo como amor.” – Romeu e Julieta (ligeiramente adulterado)
O realizador está no “bom” negócio do cinema. Com um talento para o drama (What’s Eating Gilbert Grape, Rules of Life) e romance (Chocolat, e duas adaptações de Nicholas Sparks), o cineasta sueco rotineiramente aventura-se nas águas do sentimentalismo para contar histórias de pessoas agradáveis, sobreviventes em realidades não tão agradáveis.
Não há nenhum desempenho podre no grupo de atores (e não o poderia ser: cada elemento é um centro neste prato). Destaques para Mirren, que rosna e encaixa-se perfeitamente neste Cruela de Vil da culinária, uma viúva que canaliza a sua vida para o restaurante e para Om Puri que encarna o pai resingão desta corajosa família.
A cozinha é um campo de batalha mas Knight e Hallström rejeitam a simplicidade da competição sitcomy, gastando apenas uma fração das duas horas do filme sobre esse fio condutor, abrindo-se o atrito cultural, originando-se a simbiose improvável entre os dois lados.
Com uma pequena ajuda da sous-chef Marguerite, e o livro Le Cordon Bleu, Hassan labuta para melhorar suas habilidades culinárias (porque, pelos vistos, neste mundo globalizado ninguém parece ter o mínimo conhecimento da gastronomia que não seja do próprio país).
Hallström e o diretor de fotografia Linus Sandgren deliciam-nos com uma infusão do Ocidente e Oriente, transformando a cozinha de Hassan e o Le Saule Pleureur num paraíso.
O filme desenrola-se suavemente e é um filme fácil e agradável. No entanto, o que pode ser o ponto fraco do filme são as cenas amorosas, que se criam sem grande base e parecem artificiais e constrangedoras.
Em última análise, The Hundred-foot Journey, é um filme sobre integração social e a aceitação cultural. É aprender a andar nos sapatos dos outros.