Estreias da Semana
Data
8 December 2014

Composição musical e a arte de manipular emoções no cinema

Muitos se lembrarão da cena em que Mufasa cai do penhasco. No entanto, poucos se recordam da banda sonora que “colava” e fazia fluir a dinâmica entre os diálogos e as imagens. Provavelmente, sem a existência da música, a cena tornar-se-ia esquecível. Esta manipulação inconsciente – que no caso do Rei Leão fez miúdos e graúdos chorarem as pedras da calçada – torna a composição musical, uma obra oriunda dos artistas das “trevas” que manipulam emoções através de sons. Que, com a sua dose necessária de sadismo, nos fazem chorar, arrepiar, rir e, muitas vezes, acreditar nas imagens que vemos, evitando sempre o protagonismo.

No caso de Rei Leão, o autor era Hans Zimmer, um dos maiores manipuladores atuais e dos mais multifacetados. Capaz de nos fazer disparar a ansiedade, como em Inception, Cavaleiro das Trevas ou, no mais recente, Interstellar. Ao mesmo tempo que consegue levar-nos para uma realidade mais fantasiosa, como em Piratas das Caraíbas e Madagáscar.

“Well either I am going up those stairs or Max Steiner is going up those stairs, but not the two of us together.” – Bette Davis

Quando em 1939 Bette Davis protagonizava Dark Victory – onde uma jovem (ela) morria no decorrer de um tumor cerebral – a sua astúcia dizia-lhe que para a cena final ser memorável, tinha de ter a composição musical perfeita. Por isso chamou o melhor – Max Steiner -, que em 1933, tinha tornando King Kong em algo mais do que um simples monstro, tudo graças à sua música.

Talvez por isso, Bette sentisse que poderia vir a ser ofuscada, e que apenas um deles se destacaria. Acabou por se enganar, pois, apesar da academia ter nomeado ambos, nem Max – perderia para Herbert Stothart (O Feiticeiro de Oz) -, nem Bette – perdeu para Vivien Leigh (E Tudo o Vento Levou) – subiriam as tão almejadas escadas. Convínhamos, a competição era fortíssima.

Bette Davis em Dark Victory

A verdade é que as ondas sonoras podem provocar em nós respostas fisiológicas intensas.

Por exemplo, conseguem imaginar a cena do chuveiro em Psycho (1960), sem recorrer à icónica composição musical de Bernard Herrmann – que mais tarde assinaria a banda sonora de Taxi Driver (1976)? Hitchcock conseguia e encorajou Hermann a deixar aquela cena sem qualquer música. Rapidamente voltou atrás na decisão quando Hermann lhe mostrou a sua composição.

Em 2010, a corroborar a ideia de que as composições musicais são atos de manipulação ostensiva, um estudo da Universidade da Califórnia, verificou que a nossa sensibilidade a sons não-lineares de alarme e oscilações abruptas de tons, é utilizada pelos compositores para provocar agitação e stress na audiência. Os casos, mais óbvios serão os filmes de horror, como era Psycho.

Janet Leigh e a sua cena icónica em Psycho (1960).

Assim sendo, a música não entra pela porta principal, mas aproveita todas as janelas abertas. A sua subtileza (que deve ser obrigatória) não significa que seja menos efetiva.

Veja-se o exemplo de Nino Rota, responsável pela composição para Padrinho – Parte I, onde “menos”, significou “mais”. Na célebre cena em que Michael (Al Pacino) mata o rival do seu pai em pleno restaurante, apenas ouvimos em fundo o som de um comboio a travar.

Porém, o grande momento fica guardado para a cena final, altura em que os principais chefes das famílias rivais são mortos. Para o efeito, é utilizado apenas o barulho do órgão da igreja, e a sua sonoridade não linear, que enerva e inquieta a audiência.

Os realizadores, por outro lado, têm também uma noção muito forte da importância da composição musical na obra. Talvez por isso, existam parelhas indissociáveis entre realizador e compositor. Steven Spielberg e George Lucas, com John Williams é, por exemplo, um daqueles casos em que é raro ver um destes realizadores sem o seu compositor.

Será que E.T, Tubarão, Indiana Jones e Guerra da Estrelas seriam hoje filmes de culto, sem o cunho de John Williams? Provavelmente o nosso imaginário seria substancialmente mais pobre, e nem iriamos perceber porquê. A composição sonora é exatamente isso; aquilo que sublinarmente nos faz gostar de algo, mesmo que seja difícil encontrar argumentos racionais.

Quem vos escreve deve confessar a predileção que tem pela banda sonora de Cinema Paraiso (1989), com a composição de Ennio Morricone; um daqueles amores difíceis de explicar, mas fáceis de sentir.

Agora digam-me o que seria o cinema sem a música…

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