Criança nº 44 (Child 44, 2015)
There is no murder in paradise
Ao contrário da frase inicial do filme, matar a Criança nº 44, para além de um trocadilho quasi-inteligente, é algo relativamente fácil de fazer (atacar a obra diga-se), e sendo assim, não sendo o objetivo do presente texto, acrescentar muito conteúdo intelectual aos demais que nos leem (sim mãe, é uma boca para ti!), vamos começar pelo óbvio.
É óbvio que ter Tom Hardy (Mad Max: Fury Road) e Noomi Rapace (A trilogia original de Millenium), e Gary Oldman (A trilogia mais recente de Batman), permite alavancar qualquer filme, mesmo que, como foi o caso, sejam vários filmes dentro de um, no espaço de 2h e 17min.
Esta obra, baseada no livro homónimo de Tom Rob, e adaptada por Richard Price, reconta a história do Serial Killer Russo Andrei Chicatilo, misturada com as dúvidas existenciais dos soldados leais do regime estalinista, tentando ser muito mais do que aquilo que acaba por entregar.
Ao longo da história e durante 20 anos (com incidência especial nos últimos), acompanhamos Leo (Tom Hardy), um órfão tornado herói na segunda guerra mundial, e que prossegue a sua carreira oficial dentro da polícia de Estaline, numa época onde a caça às bruxas, levava a que se denunciasse até a própria família. Ao recusar denunciar a sua mulher Raisa (Noomi Rapace), Leo é considerado espião e, junto com a mulher, é exilado numa Rússia ainda mais longínqua, onde acaba por encontrar o General Russo Nesterov (Gary Oldman) – que claramente deve ter passado uns tempos no Reino Unido – , e juntos acabam por investigar o estranho assassinato de várias crianças, numa terra onde supostamente não existiam assassinatos (paradise) – isso seria um mal capitalista.
Daniel Spinoza realiza, com bom gosto, um filme sempre num tom profundamente negro (mesmo a própria fotografia, é algo taciturna e sombria), tendo algumas sequências de ação muito bem delimitadas – especialmente as sequências dentro do comboio. No entanto, falha enquanto filme que pretende adensar o clima de suspense, criando mesmo algum aborrecimento em partes, onde muita coisa é inserida ao mesmo tempo – o amor de Leo e Raisa, a lealdade de Leo perante o regime, o assassinato das crianças, o ódio de um dos colegas de Leo – tudo condensado, acaba por retirar qualquer efeito surpresa.
O tom sombrio com que o filme evolui distingue-o e tenta diferenciá-lo de um qualquer blockbuster (e consegue), procurando algo mais profundo. E o elenco é definitivamente bem escolhido – em especial pela personagem de Tom Hardy.
No entanto, tudo rui, quando desde o início existe algo que não é minimamente verosímil: a diversidade de sotaques falsos russos, oriundos das mais diversas nacionalidades, menos da Rússia – será que não existem atores russos? Ver Tom Hardy falar como uma empregada doméstica ucraniana, é algo penoso – apesar de ser um bom presságio, tendo em conta que Leo nasceu na Ucrânia. Depois vemos a hipérbole britânica Gary Oldman, tentar o sotaque “russo” (por vezes desiste), e no fim, a descredibilização só não é maior porque, com o passar do filme, algumas cenas conseguem-nos abstrair do ridículo.
No fim, sobra um filme decente, mas que tenta ser muitas coisas, e não simplesmente uma obra de suspense (que acaba por não ser). Faltou algo para conseguir ser melhor, isto apesar da bela fotografia e algumas cenas muito bem filmadas.
Colherada Final
Veredito
Um filme monocórdico, que por vezes não nos consegue prender, mas que pelos temas abordados, e pelo tom sombrio que por vezes arrepia, não se poderá considerar um mau filme. Apenas se perde parte da mensagem, por querer ter incursões políticas, sociais e românticas, existindo sempre muitos subplots ao mesmo tempo.
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