Leviatã (2014)
Leviatã é o mais recente trabalho do realizador russo Andrey Zvyaginstev, pai de outros títulos como O Regresso e Elena. Aqui assistimos à história de Kolya, homem de família que luta contra o presidente da câmara pelo título da sua propriedade, no processo caminhando para o abismo pessoal.
Esta é uma história que hasteia a corrupção, a traição e a (in)justiça como temas principais na anátema de Kolya, que se vê a perder tudo, admitidamente protagonista do livro de Jó reescrito. Excepto que contrariamente a Jó, o nosso protagonista não encontra a catarse, nem a sabedoria, nem a misericórdia de Deus, somente a humildade e o castigo, enquanto as forças mundanas da corrupção institucional usufruem da liberdade que persiste na sua existência. Aqui, reparamos num evidente retrato ao sistema decadente do governo russo, não por coincidência enquadrando o retro de Putin na sequência com o presidente da câmara no seu gabinete, ao se debruçar pelos crimes de que é acusado. Ou pela escolha de retratos de antigos chefes de governo para praticar o tiro ao alvo, na sequência do piquenique que viria a marcar o ponto de viragem para esta história. A futilidade de questionar Deus, como admoestada no seu formato bíblico, é aqui transfigurada na futilidade em questionar o Estado.
Além do cuidado nos detalhes inseridos tanto no argumento como na imagem, Leviatã merece menção em várias dimensões por esta última. Apelidado em certos círculos como um Tarkovsky contemporâneo, não podemos deixar de reconhecer esta influência nos planos desenhados em filme com a geometria das janelas e portas da casa, armações em disfarce para os enquadramentos criativos de ambos Andreys. Por outro lado, os movimentos da câmara trazem nova reminiscência, ainda que haja um toque pessoal de Zvyaginstev em os tornar lentíssimos, especialmente em close-ups e zoom-outs, fazendo o movimento parecer estático, ao invés do oposto que naturalmente vemos. Este é um aspecto que contribui para a atmosfera do filme, uma serenidade pesada tal como em tantos planos em que permitimos que o olhar se demore. Aspecto este que encontra máxima expressão na verdadeira gema do olhar realizador neste filme, que são os planos paisagísticos. Não obstante a técnica indoors brandida, os planos à distância e a natureza capturada são facilmente os melhores.
E de facto, estes planos têm tanto a dever à cinematografia belíssima, como esta mesma tem a dever ao cenário em si, sendo que as mãos capazes de Mikhail Krichman agradecem a bela, oblíqua luz nórdica. Pretendendo uma imagem com efeito realista, a luminosidade está deliciosamente capturada em tons belos e subtis – em especial nas horas de meia-luz –, ao mesmo tempo que a composição é harmonizada com a paisagem filmada. Adicionalmente aos planos panorâmicos e os enquadramentos geométricos, há fascínio a retirar dos arranjos sinfónicos de Phillip Glass, que compõe a música para o filme, oferecendo uma dinâmica de contraste com o ambiente contemplativo do campo visual.
Pelas interpretações fortes distribuídas por todo o elenco, pela composição musical de Phillip Glass, pela cinematografia laudatória de Krichman, este é um filme sólido a integrar o rol interessante de Andrey Zvyagintsev.