Destaques do Mês
  • The Conjuring 2 – A Evocação
  • Sugestão para Domingo à Tarde #36: Out of Africa (Sydney Pollack, 1985)
  • A Rainha do Deserto (Queen of the Desert, 2015)
Data
24 August 2016
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45 Anos (45 Years, 2015)

De uma simplicidade poderosa, este novo trabalho de Andrew Haigh mostra-nos a semana que antecede a celebração de 45 anos de casamento de um casal que, à partida, nos parece morar num espaço de apaziguante harmonia (que quase nos projeta para uma inveja futura). No entanto, bem cedo essa paz é seriamente ferida com uma carta que Geoff (Tom Courtenay) recebe, a dar conta que o corpo de um antigo amor seu (Katya) foi encontrado numa montanha na Suíça. É este momento que marca uma viragem profunda no desenrolar dessa semana, que contamina todo o prazer antecipado da celebração matrimonial, e que vai escurecendo a relação entre Geoff e Kate (Charlotte Rampling). Todos os preparativos destinados à festa são perturbados pelo fantasma longínquo de um amor incompleto desenterrado por uma simples carta, e cada vez mais sentimos que a data não merece ser celebrada, tal é o negrume que sobre ela recai. A cada dia que passa, Kate fica cada vez mais obcecada em saber realmente que importância teve Katya na vida do seu marido, e percebe-o terrivelmente bem quando o marido lhe revela que, caso as circunstâncias tivessem sido diferentes, teria casado com ela. É aqui que realmente o vidro, já frágil, estala violentamente, e que torna os dias seguintes sufocantes para Kate.

Poucos de nós se poderão identificar, a partir da sua própria história de vida, com as personagens deste filme, e é por isso mesmo que estendemos a imaginação – para alcançar outros mundos. O filme retrata de um modo muito limpo como tudo na vida começa por ser episódico, casual, e como somos nós que decidimos torná-lo algo mais. No entanto, o acontecimento-chave inicial (a tal carta) rapidamente se transforma em algo enorme, que esmaga, parece-me, não apenas a semana retratada, mas os 45 anos. Tal, aliás, reflete-se tragicamente na frase de Kate ao marido: “Eu sei que te tenho bastado, mas não tenho a certeza que tu penses isso também”. Inevitavelmente, imaginei o que Kate poderia estar a pensar: “Foram estes anos todos uma mentira, uma alternativa de segunda classe àquilo que o meu marido realmente queria? Estivemos este tempo todo numa falsa sintonia de primeiras escolhas?”. A estas perguntas não-verbalizadas, o marido respondeu-lhe: “Persuadir-te a casar comigo foi a melhor decisão que tomei”. Outra pessoa também lhe(s) poderia responder – Adam Philips, no seu livro Missing out – In Praise of the Unlived Life: “Our lived lives might become a protracted mourning for, or an endless tantrum about, the lives we were unable to live. But the exemptions we suffer, whether forced or chosen, make us who we are”. Provavelmente, Kate sentiu com toda a amargura que sempre existiu entre ela e Geoff a sombra dessa vida não-vivida do marido, o que a fez pensar em que medida a sua vida conjugal foi plenamente vivida.

P.S.: Charlotte Rampling está soberba, e a cena final é de uma intensidade psicológica incrível!

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