Caníbal (2013) – MOTELx
«Não querer aprender a estar só é puro medo». Ou talvez não deixar ninguém aproximar-se seja puro medo.
Caníbal é o retrato de um homem frio, metódico e isolado. Como um lobo sem alcateia, a existência silenciosa e apática de Carlos é pontuada apenas por fome, sangue e carne. Até que duas irmãs quebram a sua rotina e o ser humano, com a consciência e culpa que lhe são inerentes, começa a despertar dentro do animal.
O filme do espanhol Manuel Martín Cuenca foi premiado mais do que uma vez por Melhor Fotografia e consegue-se facilmente perceber porquê. O espectador é atraído para um outro mundo onde impera a harmonia e quietude de um deserto gelado. Com pouquíssimo diálogo, o realizador conseguiu capturar e transmitir na perfeição a perspetiva do predador solitário. Criou um quadro fantástico onde, perante todo silêncio e isolamento, impera a presença da presa e o movimento estudado do predador confiante.
Antonio de la Torre, o predador, e Olimpia Melinte, o cordeiro que descongelou o coração do lobo, encarnam o instinto sem remorso e a inocência pura com um simples olhar, um gesto, ou uma postura.
Caníbal é um filme que estuda e destaca o comportamento humano. A palavra pouco impacto tem e o silêncio adota vários tons e intenções. Pode ser algo frustrante porque, tão habituados que estamos a usar a conversa como uma muleta para a comunicação, é preciso concentração para desbloquear os outros sentidos e captar completamente a mensagem que nos envia.
Como um livro não se escolhe pela capa, também um filme não deve ser escolhido única e simplesmente pelo trailer. Caníbal é um exemplo disto. O espectador que procurar a emoção explícita como é apresentada no trailer vai sair desiludido. Mas se conseguir abstrair-se de influências exteriores e absorver a experiência pelo que ela é, descobre em Caníbal o poder sombrio e abismal do vazio.